E se a Lili de 33 anos pudesse jantar com a Lili de 18 anos? Esta pergunta serviu de gatilho para escrever este conto no qual relato o encontro entre os meus dois "Eus".
Cheguei mais cedo ao restaurante de sushi, estou sentada na mesa à espera da Lili de 18 anos, vamos jantar as duas. Estou curiosa para saber como vai correr este encontro. Enquanto consulto os últimos e-mails no telemóvel, oiço a porta da frente a chiar.
É uma sensação surreal e bizarra olhar para aquela rapariga que tem a minha aparência, mas que eu já não sou.
Ela olha para mim e cumprimenta-me desajeitadamente.
— Olá, tudo bem? — Retribuo o cumprimento e convido-a a sentar-se.
— Sim, está tudo bem. Estavas há muito tempo à minha espera? — Pergunta enquanto puxa pela cadeira.
— Não, cheguei agorinha.
— O quê? Não, não ficaste nada gordinha!
Sem querer começo a rir.
— Quem é que engorda à espera do outro? — Questiona ela a olhar fixamente para os meus lábios. E reconheço imediatamente aquele olhar intenso e carregado de dúvida. A testa franzida. O jogo visual de "ping-pong". Olhando ora para os meus olhos, ora para a minha boca.
Estico-me e pouso a minha mão por instantes no seu braço:
— Desculpa estar a rir, mas disseste uma piada engraçada.
— Qual piada? Eu só respondi ao que disseste.
— Oh Lili, tu percebeste mal! Eu não disse que estava gordinha.
— Ah. não? Então o que é que disseste?
— Que tinha chegado agorinha?
— O quê? Chegou alguma galinha?
Não me consigo conter e recomeço a rir. Ai esta miúda mata-me de riso!
— Então? — Pergunta impaciente passado alguns segundos.
— Disse que tinha chegado agora, só que disse o diminutivo. Vou dizer devagar para ver se percebes. Se não perceberes diz que eu escrevo aqui no telemóvel. A-go-ri-nhaaa.
— Agorinha?
— Sim!
— Ahhhhh!!! — E é a sua vez...Começa a rir desalmadamente. — Não me parecia nada isso. Soou-me a gordinha e depois galinha. — Retomou o ataque de riso atirando a cabeça para trás.
— Então mulher?
Ela respira fundo, olha para mim, mas sem sucesso.
— Desculpa...
Esta miúda é doida. Estou a tentar conversar com ela, mas volta e meia dá-lhe outra vez vontade de rir. Felizmente com o decorrer da conversa parece ir acalmando.
Ao observar a Lili 18 anos a comer, recordo-me dos complexos e neuras que passámos. Ela parece confiante, mas há qualquer coisa no seu olhar que transparece não estar bem.
— Está tudo bem? Estás muito pensativa.
— Apenas curiosa sobre algumas coisas.
— Alguma coisa em concreto?
— Humm... Não sei se tenho coragem de perguntar.
— Fala rapariga! Sabes que comigo podes estar à vontade.
— Estou um bocado preocupada... Vou conseguir entrar na Universidade?
— Claro que sim! Porque perguntas?
— Tenho vindo a perceber que o curso onde estou não me vai dar grandes saÃdas no mercado de trabalho, quando o escolhi foi só porque não tinha matemática e para tirar o 12 ano. Vou gostar do curso que eu escolher?
— Fica tranquila vais adorar a Universidade, vais a aprender a cozinhar, vais-te divertir e gostar do curso, aliás ele parece desenhado para ti...
— A sério?! E também vou conseguir tirar a carta de condução? É que eu não sei se atino com as mudanças e o controlo do carro...
— Lili não te preocupes tu vais ser uma boa condutora, com um tempo de reacção espectacular! — O pior é mesmo estacionar e de vez em quanto bater em alguns objectos parados, mas sem stress! Ela não precisa de saber disso! — Vais ter algumas dificuldades, nada que não consigas ultrapassar! Com força de vontade consegues tudo!
— Isso quer dizer q vou ter um namorado giro?
— Queres um namorado giro para quê? Explica-me! — Pergunto meio chateada, nunca percebi essa preocupação dela. Dou um gole no copo de água, a irritação parece estar-me a secar a boca.
— Certamente para o mesmo que tu!
— Coff! Coff! — Não esperava uma resposta daquelas. Espero não morrer engasgada em frente ao meu "Eu" de 18 anos.
Ela levanta-se e tenta ajudar-me, contudo dá-me uma palmada exagerada e quase que me desloca a omoplata.
— Cof! Cof! Calma mulher! Não me partas nenhum osso!
— Desculpa, isso tem de ser com eficácia.
— Eu dou-te a eficácia! — Respiro fundo e limpo as lágrimas que me surgiram após aquele ataque de tosse. — Não me respondeste. Porquê que queres um namorado giro? Porquê giro e não... Divertido, por exemplo?
— Sei lá, parece importante ter alguém giro ao nosso lado.
— Lili, responde-me a uma coisa. Em relação aos livros que tu lês, se a capa for bonita, gostas do enredo, das personagens?
— Depende, há livros que têm capas bonitas, mas as histórias são uma porcaria.— Aà tens a resposta minha querida, com as pessoas é a mesma coisa. — Hummm, não me parece...
— Não acreditas em mim? Achas que só por teres um namorado todos os teus problemas se vão resolver, vai ser feliz depois disso?
— Acho que sim, pelo menos quando vejo as outras pessoas, elas parecem...
Ela não disse sequer uma palavra, olhou para mim a chorar, saiu da mesa furiosa e ao sair bateu com a porta. Fui atrás dela. Por momentos assustei-me pois não a vi, mas avistei-a perto de um poste de luz, junto à entrada de um supermercado que estava fechado. Aproximei-me e fiquei com um nó na garganta. Deu-me dó ao olhar para o rosto dela. As minhas amigas têm razão, quando estou triste fico mesmo com cara de cachorrinho abandonado.
— Desculpa Lili! — E dei-lhe um abraço apertado — Desculpa ter-te chamado palhaça e ter dito que eras tapada. Tu és tão autocrÃtica e cansa-me ver-te assim! Vou-te dizer o que alguém me disse e que eu gostava que me tivessem dito mais cedo. Tu ainda não percebes que és uma pessoa incrÃvel? Tu és bonita por dentro e por fora! E fiquei triste por tu não veres isso! — Suspirei e bebi as minhas lágrimas. Senti-me como se estivesse a consolar uma filha por causa da atitude de alguém idiota, mas fora eu a culpada — Perdoa-me se fui dura. Eu só quero que sejas a tua melhor versão e que realizes os teus sonhos!
Espero que tenhas gostado deste conto.
E tu? Já imaginaste como seria um jantar com o teu "Eu" do passado? Como seria a conversa? Conta-me nos comentários ;)
0 Comentários